domingo, 31 de agosto de 2008

Enquanto isso no país dos normais...

Todo dia ele cumpre o mesmo ritual. Chega, dá uma volta no pátio sem nunca mudar a direção. Não se apressa, nem altera o semblante. Ele não se encaixa em nenhum padrão de normalidade, mas é feliz. Vive num mundo que é só seu e no qual imagino que nunca poderei adentrar, muito menos entender.

Aos olhos de alguns ele vive enclausurado em seus próprios pensamentos, os meus ousam ver nele uma pessoa mais livre do que muitos.

A mãe passou a vida a perambular pelas ruas mendigando esmolas e algumas carícias dos bêbados que descançavam nas praças da cidade.

Ele, viveu o infortúnio de ser mais um abandonado, vivendo das migalhas da sociedade até ser acolhido e ter uma vida decente, embora já fosse tarde, tarde demais para ousarem fazer dele uma pessoa "normal".

Mas é feliz. Ele não se preocupa se a roupa que veste está na moda, se os cabelos brancos denunciam sua idade, se seu comportamento vai ser aprovado, se vão achá-lo um tolo feliz, um pobre coitado, se vão rir do seu jeito de dançar, se vão achar estranho que fale dele pra ele mesmo... Ele não entenderia por que nessa sociedade tão organizada e normal nem sempre se pode ser autêntico.

Ele não segue fórmulas prontas de comportamento. Pra falar a verdade ele nem as conhece. Inventou um jeito próprio de viver e vive num eterno processo de desnormalização como se no mundo só existisse uma forma de ser: a sua. Talvez ele prefira não ser mais um, genérico, normal ou normótico. De cara limpa, desfez-se das máscaras e encontrou a fórmula para uma vida saudável e feliz.

Enquanto isso no país dos normais, seres humanos inteligentes, livres e iguais assistem a belíssimos espetáculos teatrais! Bem vindo ao país do "faz de conta."

Faz de conta que eu sou como você, que gosto de festas e de glamour, que eu tenho dinheiro pra manter as aparências, faz de conta que eu me mantenho firme nas minhas verdades e fiel às minhas convicções mesmo quando minhas idéias não estão de acordo com as do chefe da minha empresa, faz de conta que a minha boca fala exatamente o que meu coração sente, faz de conta que que não costumo fazer coisas só para agradar e "fazer média" com você, faz de conta que sou sempre equilibrado, que nunca perco o controle, que eu não uso máscaras exceto nos bailes à fantasia. Faz de conta que...

Faz de conta que eu sou feliz assim.

sábado, 23 de agosto de 2008

Não me pergunte quem sou

Uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. Essa frase foi dita pelo grande escritor José Saramago em seu livro Ensaio sobre a Cegueira. De fato, definir-se não é algo fácil. Elaborar um conceito sobre si mesmo, mais uma daquelas missões impossíveis. O ser humano não é uma coisa fabricada com esta ou aquela finalidade. Não somos um produto, não viemos com rótulo e manual de instrução. Nós simplesmente existimos e não sabemos ao certo a que viemos nem para que servimos e muito menos quem somos. Definir significa determinar a extensão ou ou limites, talvez por isso seja tão difícil, afinal somos seres inacabados.

É no caminho que a gente vai se descobrindo, se conhecendo e se re-conhecendo. É no caminho que os eus: meus, seus, nossos vão se desvelando e se revelando.

Gosto de ler os perfis das pessoas nas redes sociais na internet. É interessante como algumas pessoas se definem. Há sempre aquelas que procuram uma frase de algum escritor famoso que lhe empreste suas palavras para se auto definirem.

Tem também aquelas que escrevem um artigo de jornal, dizem tudo, menos quem são.

Há outras que até tentam, descrevem-se superficialmente, alguns gostos, preferências, comportamentos...

Alguns se definem dizendo que fazem isso ou aquilo, que exercem essa ou aquela função.

Mas desconfio que muitas delas também não saibam quem são.

As vezes a gente até pensa que se conhece até o dia em que em que algo acontece e agimos de uma forma totalmente inesperada, despersonalizada, acabamos conhecendo uma outra pessoa. É difícil aceitar, os amigos comentam, você mudou. Cadê aquele ser que até bem pouco tempo habitava seu corpo? Talvez viajou com uma passagem só de ida ou quem sabe, apenas mudou de endereço. O fato é que ele não está mais ali. Muito prazer, essa é a sua mais nova versão.

É, acho que é mais ou menos isso, somos feitos de versões. O que não significa que a última seja melhor que a anterior. São tentativas feitas de acerto e erro, as vezes mais erros do que acertos, tudo bem, se eles te servirem para alguma coisa no futuro, já terá valido a pena.

Mas não desista. Saber quem somos é importante. Pratique o auto-conhecimento. Passe as férias, um final de semana, um dia, uma hora em companhia de si mesmo. Faça reiki, meditação, ioga... Mas não seja tão crente, duvide um pouco de você, seja um pouco cético, pra que suas certezas não o tornem uma pessoa fechada em suas próprias percepções.

Se descobrir, me conte, vou gostar de saber das suas descobertas.

Eu continuarei tentando, talvez o tempo e a experiência de vida elevem minha capacidade de auto definição, mas temo que nem mesmo a senilidade dê conta disso, minhas últimas descobertas sobre mim me deram conta que de mim ainda conheço pouco. Por isso não me pergunte quem sou. Eu ainda não sei.

Por enquanto me defino nas palavras de Clarice Lispector: "A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais..."

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O Grande Ditador

Ele manda, desmanda, faz e acontece. Não responde à lei, é impulsivo, egoísta, tirano, déspota. Pretende o comando, o totalitarismo, o controle.

Tem tentado à todo custo reprimir meus intentos mais racionais. Quer me tornar um ser movido a sentimentos, roubando-me a capacidade de pensar logicamente, de agir com inteligência.

Ok, eu me rendo, segundo o adágio popular parece que você sempre sabe o que faz. "Siga seu coração" é o que todo mundo fala quando a gente se encontra meio sem rumo, como se você sempre soubesse o que faz. Façamos um trato, um acordo. Você é ainda imaturo, um coração movido à sentimentalismo, à instintos, gosta de emoções fortes, mas depois não dá conta, não assume as consequências, acaba sobrando pra mim. Então, eu te ouvirei, sempre, mas vou ensinar-te a sentir de forma inteligente.

Você precisa parar de querer mandar em mim. Não esqueça que como boa ariana eu também tenho vontade própria, sou independente, totalmente avessa ao abuso e às imposições, não vou aceitar um coração autoritário me dizendo o que devo ou não fazer.

Li uma frase há algum tempo atrás, não me recordo quem disse, que fala que a vida é uma comédia para os que pensam e uma tragédia para os que sentem. Devo assumir que tirando o caráter extremista, eu concordo em parte com ela. Mas antes que pensem que sou uma insensível devo dizer que eu tenho aprimorado meu conceito de inteligência emocional e tentando elevar meu QE ( quociente emocional) tido para alguns estudiosos como mais importantes que o próprio QI.

E que essa minha aparente dureza seja perdoada, porque metade de mim é o que eu sinto e a outra metade é o que eu penso.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Senta que eu vou contar...

Seu Zampieri, como era conhecido na vila em que morávamos, registrou, casou e lavrou certidão de óbito de boa parte dos dois mil habitantes que lá moravam. Fazia um bico como escrivão, já que seu amor maior era pela terra. Não se importava quando lhe pediam um fiado, fingia acreditar que amanhã eles voltariam com o dinheiro, nunca mais voltavam... seu coração mole deixava por isso, uma caridade aos menos afortunados.

Por causa desse ofício e pelo trabalho como entendente distrital, sempre me levava junto nos casórios no interior e na distribuição de vacinas na época de campanha. Me pegava pela mão e lá íamos nós. Eu ajudava, ele dizia que era sua secretária. Fotos, tenho poucas. Apenas as que tirávamos por ocasião dos casamentos, aproveitando o fotógrafo que só era visto por aquelas bandas em dias de festa.

Lembro-me das tardes chuvosas, em que ele não podia ir para a lida do campo e deitávamos eu e ele, eu pedia que me contasse uma história e ele inventava. Algumas eram tristes, acho que eram suas próprias histórias de vida, outras ele devia mudar o desfecho para terem um final mais feliz.

Meu pai não foi ninguém, mas construiu um império diante do pouco que sempre teve. Homem de visão, não perdia dinheiro nos negócios.

Gostava de jogar cartas no boteco da esquina, minha mãe fazia ir chamá-lo quando envolvido com o jogo, esquecia-se que tinha casa pra voltar. Eu ia e ele me dava um doce, daqueles que vinha uma goma grudada num garfinho de plástico. E voltávamos de mãos dadas pela rua escura iluminada apenas pelo poste e pelas estrelas.

Homem severo, me educou com a rigidêz de um oficial, implacável, silêncios indecifráveis...Minha mãe sofria, eu também.

Meu pai falava com os olhos. Seus olhos me davam conselhos, reprovavam meu decote, me educavam em silêncio.

Ironia...hoje seus olhos pouco falam, tomados que foram por uma retinopatia diabética que covardemente roubara boa parte de sua visão.

Quando sentada na mesa da cozinha eu fazia as tarefas da escola, ele chegava, batia de leve minha cabeça na mesa e dizia: " Cheirando a mesa !?" Nesse ato eu ouvia, embora não pronunciasse, ele dizendo que me amava.

À noite, quando a gente cansava de assistir um programa em que só passavam umas listras horizontais pra cima e pra baixo na TV a gente ia dormir escutando Zé Betio... "Fala Zé! Falo, falo sim!"

Sua benção pai... Desus te abençoe filha! E a gente dormia feliz...

Um dia, debaixo de uma tempestade ele terminava de guardar uma safra recém trazida da lavoura, quando armou-se um temporal, o vento forte ameaçava derrubar a velha casa da fazenda. Não me lembro ao certo por quê, mas ele tirou- me pela janela, debaixo de uma chuva torrencial, deixando em minha camiseta branca as marcas de suas mãos embarradas.

Estas saíram depois de lavadas, muitas permanecem, gravadas na memória e no coração.

Lembro-me de uma canção da época que dizia mais ou menos assim: " Pra não judiar meu sentimento proibi meu pensamento de ficar campeando saudade"... É isso.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Entre o caos e o cósmico

Não sou nenhum referencial de organização. Já tentaram me encaixar num modelo socialmente aceitável, esforços vãos...
Vivo entre o caos e o cósmico, equilibrando-me entre meus embates mentais e na profusão dos meus pensamentos, que ora se ocupam do trabalho, ora lembram da família, das pendências a acertar, das faturas a pagar...penso no futuro, programo, faço planos, estabeleço metas, leio emails, noticiários... Um brainstorming de idéias que insistem em me manter com os pés num lugar e a cabeça em outro.
Inevitáveis: "Desculpe-me, mas... que foi mesmo que você disse?"
Fácil ser organizada quando se tem apenas uma casa pra limpar e um filho pra levar à escola.
Fácil, quando seu trabalho é restrito às quatro paredes de uma sala de aula.
Às favas com tanta organização, prefiro meu mundo assim...
Não sou dada à modelos padronizados seguidos inquestionavelmente, eu os abomino se não estão de acordo com os meus princípios. Minha realidade é muito mais subjetiva. Não gosto de pré-determinismos. Ordem em demasia faz mal, me causa enxaqueca, baixa minha auto estima, tolhe a minha liberdade, me torna inflexível, me faz sentir um ser comum, igual, muito normal...
Não quero a ordem perfeita do universo. O universo é cósmico, os astros extremamente alinhados, seguem sua rota pré definida, pré determinada.
Eu? Eu não faço questão de tanta rigidêz... Só se for a perfeita ordem e sintonia da orquestra de Yanni. Me deixem viver no meu mundo, é nele que eu quero morar. Prefiro a vida retratada por Fernando Pessoa... Porque navegar é preciso, viver não é preciso... No livro da vida que estou escrevendo viver é sinônimo de emoção, não de precisão.

sábado, 2 de agosto de 2008

Etc & Tal

Ainda não ia à escola, não lia nem escrevia, mas lembro-me rabiscando cadernos que meu pai trazia pra mim. Os rabiscos tentavam imitar letras, com eles eu inventava histórias...
Meu pai pedia que eu os lesse e eu lia.
Enchi cadernos com os estes rabiscos...
Muitas histórias eu criei, muitas histórias eu vivi.
Cresci, mas continuo rabiscando. E nestes rabiscos eu silencio minha alma, acalmo meu pranto, vivo minha alegria.
Para todas as outras coisas, porém não menos importantes que fazem parte da minha vida.
Este blog é meu caderno de rabiscos...

Créditos da Imagem: Mimi
"E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências…” (Vinícius de Moraes)