
Imagem: Ana Castilhos
Meu todo são esses pequenos cacos diários. Nem sempre o que parte se quebra. Há inteireza nos pedaços. Há que se enxergar com cabeça e coração. Olhos só vêem. E há que se permitir dar o segundo passo. Há ainda que se aprender a decorar vitrais: cores, texturas, formas...
Igual como nos tempos de meninice, deitada no chão, pernas para o ar, quando eu passei a enxergar que as coisas, o mundo, é feito de encaixes. Cada peça no seu lugar...um pedaço da árvore, o telhado da casa... Devagar e sem distração. Ao final um sorriso largo colava no meu rosto. Eu aprendia a viver.
Viver é procurar encaixes, alguém disse. Mas para que haja encaixe é preciso que cada parte seja incompleta. Pra fazer sentido. Quando as duas partes se encaixam a felicidade acontece. Sem contudo, deixarem de ser partes, ocos, cacos...Porque quem ama é pobre, está sempre à espera, à procura.
Mas a louça de porcelana - essa não teve jeito. Era o seu presente mais caro. E o meu coração disparou, e você me afogou com suas lágrimas. Eu pensei que naquele instante minha avó morrera para sempre. E me cobri de tristeza. Por você. Porque você não entendeu que cacos viram pó. E que não há forma de ser outro sem antes virar pó.
E eu aprendi a me descuidar cada vez mais. Porque viver é assim.
Viver é um descuido prosseguido. (Guimarães Rosa)
Imagem daqui