segunda-feira, 8 de setembro de 2008

As flores da minha infância

Elas pareciam um véu de noiva, daqueles bem longos que se desprendem dos vestidos e deslizam sobre os numerosos degraus das catedrais ou tomam todo o espaço do átrio das igrejas. Se a memória e a imaginação não me traem, esse é mesmo seu nome: véu de noiva, são flores miudinhas que escorregam suavemente pelos galhos em forma de cachos.
Hoje eu as vi, não são tão comuns, acho que pela primeira vez depois que mudei-me da vila para a cidade... E daí lá se vão alguns anos. Elas não tinham a mesma beleza de antes enfileiradas ao longo de uma grande alameda, ladeando a estrada...mas o cheiro era inconfundível. As lembranças inevitáveis.
Elas tinham também cheiro de sítio, de vó, de infância, do chão batido e poeirento, da água do rio, da ponte, das macieiras floridas e da corda da balança, do sótão escuro, do porão úmido cheirando a mofo e da pipa de vinho que ficava num canto do porão da velha casa de madeira que meus avós construiram e que resistira bravamente ao tempo, até ceder aos golpes do machado.
Algumas lembranças povoaram a minha cabeça.
Revi o tanque onde minha vó lavava roupa e por onde escorria lenta e constante a água que vinha direto da fonte. Lembrei dos sapos que coaxavam debaixo da madeira que cobria o chão da construção e das inúmeras vezes que pedi que meu avô as erguesse para que pudesse ver a grande quantidade de anuros que habitavam aquele espaço e, mais tarde, a minha imaginação.
Revi minha avó sentada atrás do fogão fazendo longas tranças com palha de trigo e os chapéus empilhados no canto da despensa.
Quase senti o cheiro das cobertas confundindo-se com o das flores, quando lá eu dormia e sentia uma coisa difícil de entender naquela época, abraçava-as e ao mesmo tempo me envolvia nelas, sentindo aquele calorzinho gostoso e aquela paz de quem vive sem ser apresentado ao dia de amanhã.
Tem momentos que a gente vive com tanta intensidade porque na verdade a gente já sabe que vão se transformar em saudade. Ou seria o contrário?
Acabei de entrar em terreno desconhecido, difícil falar de saudade. Como dizia o poeta... saudade é uma palavra esperando tradução. Alguém se habilita?

2 comentários:

  1. Bom mesmo é saber que ainda existe gente que se encanta com as flores. Obrigado pelos elogios que você enviou no blog. Gostei do seu também, visitarei sempre.

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  2. Pra que não digam que não falamos das flores, né Rafa!
    Volte sim, será um prazer recebê-lo aqui.

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