segunda-feira, 21 de setembro de 2009

De(cor)ando vitrais

Imagem: Ana Castilhos

Meu todo são esses pequenos cacos diários. Nem sempre o que parte se quebra. Há inteireza nos pedaços. Há que se enxergar com cabeça e coração. Olhos só vêem. E há que se permitir dar o segundo passo. Há ainda que se aprender a decorar vitrais: cores, texturas, formas...
Igual como nos tempos de meninice, deitada no chão, pernas para o ar, quando eu passei a enxergar que as coisas, o mundo, é feito de encaixes. Cada peça no seu lugar...um pedaço da árvore, o telhado da casa... Devagar e sem distração. Ao final um sorriso largo colava no meu rosto. Eu aprendia a viver.
Viver é procurar encaixes, alguém disse. Mas para que haja encaixe é preciso que cada parte seja incompleta. Pra fazer sentido. Quando as duas partes se encaixam a felicidade acontece. Sem contudo, deixarem de ser partes, ocos, cacos...Porque quem ama é pobre, está sempre à espera, à procura.
Mas a louça de porcelana - essa não teve jeito. Era o seu presente mais caro. E o meu coração disparou, e você me afogou com suas lágrimas. Eu pensei que naquele instante minha avó morrera para sempre. E me cobri de tristeza. Por você. Porque você não entendeu que cacos viram pó. E que não há forma de ser outro sem antes virar pó.
E eu aprendi a me descuidar cada vez mais. Porque viver é assim. Viver é um descuido prosseguido. (Guimarães Rosa)

Imagem daqui

3 comentários:

  1. Oi Elis!
    Obrigada pelas palavras.
    Aliás, esse seu texto traduz perfeitamente o meu momento "caquinhos espalhados".
    NAda se encaixa e as peças parecem pertencer a um quebra-cabeças cuja dificuldade é absurda.
    Me sinto como a peça sobressalente.
    mas como vc disse, tudo passa - seja bom ou seja ruim, um dia passa.
    E eu vou me apegar a isso pra continuar tentando me encaixar.
    Beijo grande,
    Andréa

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  2. Quando os cacos não se encaixam, algo está errado. Quando se justapõe, é uma felicidade só.

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  3. Assino embaixo de todos os comentários e,em especial, ao do Fabio, que como sempre diz muito, escrevendo pouco...
    Parabéns por mais um belo texto, que é um primor de encaixe entre o poético e o filosófico. Abrs, Elis.

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