domingo, 26 de outubro de 2008

Essa tal liberdade

E aí você já não sabe o que fazer com ela. Logo você que tanto a desejou. Imaginou-se dona do seu nariz, livre e totalmente responsável por suas decisões, suas escolhas e seu destino. Nesse tempo você nunca se imaginou querendo alguém para decidir por você, na verdade você sempre abominou isso e só aceitava uma intromissão desse tipo se vinda de alguém que julgasse ter esse direito e não sem uma boa tentativa de negociação. Esse tempo vai longe. Você cresceu, conquistou sua tão sonhada liberdade e agora se vê diante de situações em que desejava por alguns instantes não a possuir.

Mal sabia você nessa época que essa tal liberdade tem um custo. E alto. Responsabilidade é o preço. Pelas decisões, pelas escolhas mal feitas, pelo caminho que optar seguir.

Ah, as escolhas... Como são difíceis. E como despendem energia. Roubam o sono, a tranquilidade. Você pensa, analisa, repensa, pára de pensar, isso cansa. Retoma, não há jeito. É com você.Você e seus botões, você e seus princípios, você e suas convicções, você e seus medos, você e suas contradições, você e seus limites. Você com você mesma.

Medo do futuro. Você tenta se concentrar, aproveitar o presente. Afinal a vida não pode ser economizada para amanhã. Vida é o que acontece enquanto você faz planos para o futuro. Carpe diem! Bonito, verdadeiro. Se alguém conseguir viver isso plenamente pode me ensinar como. Como não pensar no amanhã? Como não se preocupar? Como não pensar que suas escolhas, certas ou erradas serão determinantes? O que é certo? O que é errado?

Mas o medo é natural, ele também é responsável pela preservação da raça humana. Deixa o homem em estado de alerta, ensina prudência, cuidado, bom senso. Só é ruim quando é paralizante.

Num outro extremo ele também pode ser estimulante. Você o teme mas o deseja. Na mesma intensidade. Ele te dá prazer. Interessante. “A solidez da terra, monótona, parece-nos fraca ilusão. Queremos a ilusão do grande mar, multiplicada em suas malhas de perigo...“ (Cecília Meireles). A terra firme, segura e sem medos é um espaço pequeno demais para seus sonhos.

Liberdade de escolha... Ainda que te provoque indecisão. Ainda que por algum momento você deseje não possui-la. Ainda que te provoque o medo. Ainda assim vale a pena.

Medo. Ele tem me feito companhia nos útimos dias me levando a questionar o sentido da palavra liberdade. Estou me aventurando no precipício. É noite e frio. Mas a terra firme há tempos não mais me seduz.

2 comentários:

  1. Oi, Elis
    Esse seu texto me lembrou meu filho e Nora dizendo: Como é dificil ser gente grande rsrssr, é verdade, não é?
    mas ainda acho justo o preço pago por essa D. Liberdade e ainda admiro seus textos...

    bijok

    ainda correndo pelo tempo, contra a atráz.

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  2. Querida Elis,

    Este seu ótimo texto me fez lembrar de um conto meu que está empacado e que preciso terminar. Sei que não devia colocar aqui o trecho pronto, para não fazer um comentário quilométrico, mas sinto o irresistível desejo de dividi-lo com você:


    Caminhada

    Você olha para os lados para cima e para baixo e não vê quase nada, é preciso caminhar pequenos lentos passos, um a um, os braços estendidos para a frente tateando o vazio. Um poeta, com a inexatidão que só é permitida aos poetas, diria que você ouve o silêncio, mas sabemos que você ouve este zumbido desde aquela gripe do último verão. Você grita, mas não há quem o ouça, quem responda. Você deseja que seja um pesadelo que se dissiparia quando acordasse, mas sabe que não é sonho, sabe que está ocorrendo, aqui e agora. Seu coração bate acelerado, o suor empapa a camisa. Você tropeçou, caiu, bateu com a testa em um objeto que talvez seja um pequeno muro de concreto, feriu-se. Você sente dor e um fio de sangue escorrendo para a órbita dos olhos, você limpa o sangue com o dorso da mão e, maldito hábito, lava-a à boca, suga o sangue. Você resolve que é mais seguro engatinhar, apesar do asco que sente ao sujar as mãos na poeira e imaginando que naquela imundice passeiam ratos, baratas. Você se sente ridículo, imagina que todos ririam se luzes acedessem e houvesse uma platéia observado-o. Dignidade acima de tudo, você pensa. Levanta-se, limpa as mãos nas calças e retorna a lenta, cuidadosa e inexorável caminhada para o abismo.

    Grande beijo

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